28 março 2013

Opinião: A Passagem - vols. I e II (Justin Cronin)

A Passagem by Justin Cronin
Editora: Editorial Presença (2011)
Formato: Capa Mole | 968 páginas (dois volumes)
Géneros: Ficção científica
Descrição (GR): "Publicada em dois volumes, incluídos na coleção «Via Láctea», A Passagem é uma representação de um tenebroso fim da civilização atual. Uma experiência científica a que o exército dos Estados Unidos submete vários homens e uma menina, para os tornar invencíveis, resulta numa catástrofe cujos efeitos têm consequências inimagináveis. Os homens submetidos àquela experiência tornam-se detentores de extraordinários poderes, mas são monstros assassinos sedentos de sangue."
(A versão lida está em inglês, mas apresentam-se os dados da portuguesa)

"A Passagem" de Justin Cronin, é mais um daqueles livros que andam lá por casa há anos (desde 2010, lembro-me bem desta compra porque veio de Londres) e que são sempre deixados para trás quando outros livros, mais apetecíveis e mais recentes aparecem nas estantes. O facto de ser um calhamaço com mais de 700 páginas não ajudou.

Mas há algumas semanas atrás, li a opinião da Célia no Estante de Livros e fiquei imediatamente intrigada. Por isso decidi finalmente pegar nele (apesar de já o ter começado a ler antes, desisti ao fim de algumas páginas, não estava "para aí virada" suponho). E ainda bem que o fiz!

Devido à sinopse, tinha uma ideia errada deste livro. Pensei que pudesse ser mais ou menos como "A Estirpe" de Guillermo del Toro, do qual não desgostei particularmente mas que não é propriamente uma obra prima dentro do género, sendo mais parecido com um filme de acção do que com um livro de terror e de suspense.

Mas "A Passagem" é diferente. Oh, certamente que muitos dos elementos do enredo serão familiares para os amantes do género, como a linha de acção que envolve o exército e as suas experiências ou a sociedade apocalíptica remanescente de "Eu sou a Lenda". Mas penso que o autor conseguiu combinar diferentes linhas de acção e uma caracterização bastante boa das personagens com sucesso neste livro.

A Passagem tem várias partes distintas. Na primeira, o autor desenvolve o seu mundo e descreve os acontecimentos que levam à destruição da civilização humana como a conhecemos. Cronin gasta bastantes páginas construir o seu mundo e a explicar os acontecimentos. Apresenta-nos os pontos de vista de várias personagens aparentemente sem qualquer relação umas com as outras, mas que irão, no final, contribuir para o desastre. 

Num futuro próximo (pelo menos 2014, talvez mais tarde), um cientista descobre um vírus na selva que pode ser um meio de atingir a imortalidade. O exército americano fica extremamente contente, claro, e cria imediatamente um programa secreto para estudar o vírus e os seus efeitos no corpo humano. Entre as cobaias encontra-se Amy, uma jovem de seis anos, órfã. Os problemas começam quando as cobaias conseguem fugir das instalações de alta segurança... e despoletam o Apocalipse.    

Seguimos então várias personagens nesta primeira parte: Jonah, o cientista que descobriu o vírus, a mãe de Amy que a abandona num convento, os agentes do FBI cuja missão é transferir prisioneiros no corredor da morte para as instalações científicas onde se estuda o vírus. A maioria destas personagens são surpreendentemente humanas. As suas razões para fazerem o que fazem são variadas e erradas mas não são maliciosas. "A Passagem" caracteriza-se pois por um desenvolvimento cuidado dos seus protagonistas, pelo menos nesta primeira parte. Gostei do facto de as personagens terem profundidade e não serem apenas vilões que querem poder sobre o mundo. Até os "vampiros" têm motivações para o que fazem.
A partir da segunda parte, começa uma história diferente. A civilização humana ruiu após a fuga das cobaias. Cerca de 100 anos mais tarde, os Estados Unidos são uma terra desolada onde a maioria da população morreu, uma pequena percentagem foi "transformada" em "virais" (como lhes chamam as personagens) e o resto vive em abrigos construídos à pressa pelo exército na altura da tragédia. 

Uma dessas colónias conta com cerca de 100 indivíduos, descendentes dos refugiados e protegidos apenas por luzes dispostas em volta da sua aldeia murada (os virais são sensíveis à luz). Peter é um deles. A sua vida muda quando conhece a jovem Amy que, incrivelmente, parece ter sobrevivido numa terra inclemente e cheia de vampiros sem quaisquer problemas. Sendo os seres humanos como são, a aldeia está prestes a entrar em ruptura e Peter e um pequeno grupo de amigos decide explorar os territórios para além do seu refúgio... porque talvez ainda haja esperança. E talvez ainda haja mais alguém lá fora.

A segunda parte do livro segue então uma estrutura mais parecida com a de um livro fantástico (demanda, etc). Um grupo de amigos inicia uma viagem pelos territórios infestados de virais, seguindo um sinal de rádio com 100 anos. Eles vão tentar descobrir o que realmente se passou. 

Encontram outros sobreviventes pelo caminho, uns dispostos a ajudar, outros não. Esta segunda parte foi interessante porque o leitor pode ver como é que estes personagens descobrem o que se passou (algo que o leitor já sabe). No entanto, houve demasiados momentos em que muito pouco se passava e as personagens são demasiado refletivas considerando que vivem num mundo extremamente perigoso. Achei também que alguns dos pontos de vista (aqui mais uma vez, temos vários pontos de vista) apresentados eram dispensáveis e não deram mais complexidade ou riqueza à história. No entanto, gostei novamente da construção do mundo, que mostra como é que os seres humanos sobrevivem nesta nova realidade.

No fundo, este livro não traz muito de novo ao género, mas a execução é tão interessante que queremos sempre ler mais, saber mais. No geral, gostei da leitura apesar das influências de livros como "Eu sou a Lenda" serem bastante óbvias. Não é um livro de leitura compulsiva porque as personagens refletem e analisam muito e há alguns momentos em que muito pouco acontece mas penso que vale a pena ler "A Passagem".

1 comentário:

Célia disse...

Eu vou mais ou menos a meio do segundo volume em português - está difícil arranjar tempo para o acabar. Vou na parte do Refúgio.
Do que já li, concordo basicamente com o que disseste. Já foi publicado o livro seguinte, mas ainda não sei se é a continuação da história do primeiro volume ou se o primeiro volume tem um "final".